- Olá, Ana... Quanto tempo!
Senti o abraço apertado dela e retribuí. Eu gostava tanto de Ana. E senti sua falta ao longo destes dois anos.
- Entre... Por favor.
Ela se afastou e entrei, ficando de pé.
- Sempre sinta-se em casa aqui, Bárbara. Sabe o quanto eu a estimo.
- Obrigada. – Falei sentando.
- Vou fazer um café para nós.
- Não precisa... Eu já vou. Estou só de passagem. Tenho um compromisso logo em seguida. – Menti.
- Por favor... Me deixe lhe oferecer um café.
Assenti, sabendo que aquilo poderia ser importante para ela.
Ana foi para a cozinha. Certamente os meninos não estavam em casa, pois tinha muito silêncio naquela casa enorme.
Olhei as fotos penduradas na parede e porta-retratos na estante. Tudo tinha a imagem de Jardel... E algumas de nós dois juntos. Eu ainda estava dentro da casa dela, como recordação.
Vi meu sorriso estampado e nossos beijos em diferentes ângulos para fotos e fiquei me perguntando se eu fui feliz naqueles momentos, ao lado dele. Porque eu lembrava do detalhe de cada foto, onde havia sido tirada, o que aconteceu antes e depois.
Sim, talvez eu tenha sido feliz, porque eu o amei no início. Mas depois foi tudo tão ruim que eu creio que os tempos bons foram apagados da memória, junto como o amor que julguei sentir.
- Não precisava ter sido assim... – peguei a foto e observei sua imagem, com os olhos fixos nos meus e um sorriso alegre e travesso, daquele menino bem-humorado e engraçado que um dia esteve naquele corpo – A gente poderia ter dado certo.
- E teriam dado certo, Bárbara – disse Ana me trazendo uma xícara de café preto sem açúcar, como eu gostava – Se não fosse o adúltero do pai dele ter ido embora.
- Acha mesmo que isso foi a causa de tudo, Ana? – Perguntei seriamente.
- Eu... Acho que ali tudo começou.
- Fico me perguntando se realmente foi isso... Ou outra coisa. Afinal, ele sempre usou maconha.
- Mas ficou perturbado quando o pai partiu.
- No entanto nunca foi procurá-lo depois... Em momento algum. Ele gostava de aventuras... De desafios. Talvez a droga foi isso para ele.
- Foi trágico o fim do meu filho... – ela pegou a foto da minha mão – E eu tento sempre lembrar dele assim: saudável e feliz.
- Eu também. – Menti, pois os momentos ruins se sobressaíram e não sobrou nada de boas lembranças.
- Sei que ele lhe magoou e fez tanto mal... – ela pegou minha mão vazia, que não segurava a xícara – Mas ele a amou... Até o último suspiro. Você foi a única mulher da vida dele.
- Não... Não fui a única e sabemos disso.
- Ele não sabia mais o que fazia quando se envolveu com aquelas vagabundas drogadas. Ele sempre amou você, Bárbara. Sempre...
- E será que se amasse tanto, teria feito tudo que fez? – Perguntei em voz alta, mais para mim mesma.
- Não duvido do amor dele por você... Nunca duvidei. Ainda lembro da alegria dele quando a trouxe aqui pela primeira vez. Os olhos dele nunca brilharam tanto... O sorriso era tão sincero...
- Onde... Estão os meninos? – Perguntei, tentando mudar de assunto.
Embora eu estivesse na casa dele, não queria falar sobre o que houve. E talvez foi exatamente isso que me fez demorar tanto tempo para voltar ali e ver Ana, mesmo gostando dela. O medo de reviver tudo que eu tentei esquecer por dois longos anos.
- Saíram... Um para cada lado – Sorriu – São bons meninos, acredite.
- Eu não duvido. O que houve com Jardel não necessariamente vai acontecer com eles. Imagino como estão crescidos... E lindos.
- Sim... São tudo que me restou. Fiquei um pouco possessiva com eles – ela sorriu – Mas compreendem todo meu zelo.
- E Paulo?
- Paulo só participou do funeral. Depois voltou para aquela mulher e nunca mais soubemos dele nestes dois anos. Sequer procura os meninos.
- Talvez seja melhor assim, Ana. Não dá para implorar por amor ou tentar consertar algo que já está quebrado. Pode até colar... Mas jamais será igual.
- Eu demorei para perceber isso. Mas infelizmente não consegui perdoá-lo. Eu dei a ele tudo que uma esposa e uma mulher podem dar... Eu fiz o meu melhor. E ainda assim ele me deixou... Assim como abandonou os filhos.
- Sei que ainda dói... Mas creio que um dia vai passar... – apertei a mão dela carinhosamente – Nada dura para sempre... Muito menos a tristeza.
- Você... Já conheceu outra pessoa?
- Não. – Confessei.
- Por quê?
- Eu... Quero focar no trabalho... Fazer um curso de especialização...
- Você precisa seguir em frente – ela olhou nos meus olhos – Não há mal que dure para sempre... Como você mesma disse. Precisa se dar uma chance de conhecer alguém.
- Não é hora.
- Não pode ter medo, Bárbara. Nem todos os homens farão você sofrer. Você é jovem, linda... Uma mulher forte, batalhadora... Merece alguém especial... Que cuide de você... Que lhe dê todo o amor que merece, minha querida.
Coloquei a xícara de café sobre a mesa de centro e levantei:
- Eu... Só vim dar um abraço e ver como vocês estavam – sorri – Preciso ir.
- Eu gostaria que você ficasse mais tempo. Mas não vou obrigá-la.
Ver a imagem dele por todos os lados estava me sufocando, como se alguém estivesse apertando a minha garganta e me deixando sem ar.
Abracei ela com força:
- Eu desejo do fundo do meu coração que você seja muito feliz, Ana.
- Não há como ser feliz se perdi um pedaço de mim – ela disse no meu ouvido, com a voz fraca e eu imaginava que ela estava chorando – Vê-la me trouxe um pouco dele... De coisas boas.
- Eu... Preciso ir... – Enxuguei a lágrima que ameaçava cair do meu olho.
Abri a porta e respirei profundamente o ar da rua, tentando me restabelecer.
- Bárbara, eu já agradeci por tudo que você fez por meu filho?
- Não quero agradecimento, Ana.
- Jamais uma mulher faria o que você fez. Foi forte... Aguentou até o último minuto ao lado dele. E eu sei que você não tinha esta obrigação. Ele foi ruim... Ele foi cruel... E violento. E ainda assim você não o deixou. Porque sabia que aquele não era ele de verdade...
Não, não foi por isso que não o deixei. Fiquei por medo, por covardia, por impotência. No fim, eu não me importava mais sobre quem era o verdadeiro Jardel. Eu só torcia para aquilo acabar de uma vez... Do jeito que tivesse que ser. Mal ela sabia que eu comemorei a morte do filho dela. Mas sim... Apesar de tudo, eu fiquei até o último suspiro que ele deu... Porque ele não me deixou sair.
Somente sorri, fingindo que era tudo exatamente da forma como ela imaginava.
- Bárbara, eu quero que você seja muito feliz.
- Eu vou ser. – Falei esperançosa e positivamente.
- Por que eu acho que nunca mais nos veremos novamente? – Ela indagou.
Sim, não nos veríamos novamente. Porque eu não a procuraria. Aquilo era mesmo uma despedida... De tudo que me fazia lembrar Jardel.
- Fique bem, Ana. Amo você.
- Manterei você para sempre nas minhas orações, Bárbara. E mais uma vez, obrigada.
Acenei e saí, fechando o portão, que certamente eu nunca mais reabriria novamente. Era o fim de um ciclo de quase dez anos.
Respirei fundo, até sentir meus pulmões cheios e a respiração voltando ao normal. Eu não queria mais rever Jardel... Nem em fotos. As minhas eu já havia queimado tudo e apagado do celular o que restou.
E foi assim que coloquei uma pedra em cima do meu relacionamento de oito anos com Jardel, meu primeiro e único amor e ao mesmo tempo o homem que acabou comigo, que me partiu em mil pedaços e que eu imaginava que jamais seria capaz de juntá-los novamente, porque eu não acreditava em pedaços colados. Oito anos ruins se foram, e dois anos foram de luto por mim mesma. Mas a vida ainda continuava.
E eu não precisava de um homem para ser feliz, como todo mundo me dizia. Eu só precisava de um bom emprego para poder fazer coisas que eu gostava: passear, ver o mar, viajar para outros países, provar comidas novas e fazer coisas diferentes. Eu precisava iniciar a minha aventura. E ela não precisava de parceria. Eu podia ser feliz sozinha.
Chamei o motorista de aplicativo pelo celular e aguardei na praça por mais de vinte minutos até alguém aparecer para me levar de volta para a capital de Noriah Norte.
Assim que sentei no banco de trás do carro peguei o celular novamente, para ver se havia mensagens de Ben ou Salma. Mas nada...
- Como veio parar aqui, tão longe? – Perguntou o motorista para mim.
Olhei-o pelo espelho retrovisor, observando o rosto claro e bem barbeado, com olhos claros. Os cabelos bem cortados eram loiros e encaracolados. Ele não me era estranho.
- Eu... Vim visitar um parente. – Disse secamente, não querendo falar sobre mim.
- Não lembra de mim, não é mesmo? – Ele riu, me encarando pelo espelho.
- Não... – Falei, confusa, tentando reavivar a memória.
- Eu lhe servi três chopes nesta noite que passou: chocolate com pimenta, cereja e menta.
Eu ri:
- Lembrei de você... O barman que alertou que eu ficaria bêbada.
- Aliás, não a vi dançando nua na pista. – Brincou.
- Antes tivesse feito isso. Minha noite foi péssima. – Guardei o celular na bolsa.
- Não gostou da Babilônia? Isso não é comum.
- Bem... Ainda estou tentando entender como você lembra da ordem das minhas bebidas – arqueei a sobrancelha – Que tal me passar um pouco da sua boa memória?
- Não costumo lembrar da bebida de todas as pessoas... Só das mais importantes.
- E eu não costumo cair em cantadas deste tipo. – Fui sincera, deixando bem claro que eu não cairia no jogo de sedução dele.
- Se eu disser que eu não costumo usar disso para conquistar alguém, acreditaria? – Ele sorriu docemente, mostrando dentes brancos e alinhados, combinando com os lábios bem cheios.
- Vou tentar acreditar que você é bom de memória e ponto.
- E sou mesmo, não vou negar. Mas ainda me pergunto como você veio parar tão longe em tão pouco tempo.
- Vim visitar minha avó... Longa história. Mas me preocupa encontrar você como meu motorista... Fico a imaginar se dormiu ou veio direito para seu outro trabalho? Minha vida corre risco... Tipo, se você pegar no sono enquanto dirige?
Ele riu:
- Sou responsável. Cheguei em casa às sete da manhã. Dormi até às cinco. Fiz a primeira corrida para a cidade vizinha. Depois você chamou. Se tiver sorte, não vou sair da capital no restante da noite.
- Então hoje você não será barman? Só motorista de aplicativo?
- Folga... Um sábado na vida, outro na morte. Posso dizer que você teve muita sorte de me ter como seu motorista neste início de noite, moça. – Riu.
- Puta sorte – ironizei – Dois empregos. Devem pagar mal pra caramba os funcionários da Babilônia.
- A vida não é fácil. Para se ter algo, é preciso abrir mão de algumas coisas. Neste caso, abro mão de lazer. Tenho como objetivo juntar dinheiro.
- Para... – Fiquei curiosa.
- Quero ir embora para Noriah Sul.
Arqueei a sobrancelha, surpresa:
- Geralmente é o contrário. Quem é de Noriah Sul quer vir para Noriah Norte... Devido às melhores oportunidades de emprego.
- Sim... Mas eu tenho um motivo para querer ir.
- Amor?
- Amor. – Ele confirmou, enrugando a testa.
Suspirei:
- Ok, você está perdoado se este é o motivo... Como é mesmo o seu nome?
- Na verdade eu ainda não disse. – Me olhou de relance.
- Eu sou Bárbara. Mas pode me chamar de Babi.
- Eu sou Daniel, mas pode me chamar de Dani, caso me encontre em outra corrida ou na Babilônia, quando pedir um chope. Ou mesmo numa praça, num outro bar... Na sua casa.
Revirei os olhos:
- Eu não sei se volto lá naquele lugar... Na verdade, a possibilidade de eu voltar é quase zero.
- Puxa, deve ter odiado mesmo.
- O lugar não... As pessoas sim.
- Nem sempre os ricos são simpáticos.
- E o que o faz pensar que eu não sou? Tem escrito pobre na minha testa? – Ri, certa da resposta dele.
- Me desculpe se a ofendi. Não foi minha intenção... Mulher rica que usa carro de aplicativo pagando em cartão de crédito. – Se segurou para não rir enquanto falava.
- Tudo bem, estou brincando. Entrei de penetra... Tenho uma amiga que trabalha lá.
- Hum... Entrada de serviço?
- Sim.
- Todos nós já fizemos isso. – Ele riu.
- Eu... Acho que posso ter tido problemas com o dono da Babilônia e sua esposa.
- Esposa? – ele enrugou a testa – Você está falando de Heitor Casanova?
- Sim... Acho que sim. O homem que está em fotos por toda parede gigantesca com os famosos que já frequentaram a Babilônia.
- Ele não é casado. É noivo.
- Ok, que seja. Sinceramente, não gostei da noiva dele, a loira oxigenada. Sei que ela dança bem pra caralho, mas é uma...
- A noiva dele não é loira. É morena. E ela não dança.