- Bárbara Novaes.
Ele vestia camisa branca. O blazer estava sobre o encosto da cadeira. Era loiro, pele clara e a barba bem feita, que o deixava incrivelmente sedutor. Os olhos eram azuis e seu olhar profundo.
- Eu li seu currículo.
- Fico feliz em saber.
- Ainda não trabalhou em empresas de grande porte, não é mesmo?
- Não... Ainda não. Mas é o que mais desejo.
- Vou fazer algumas perguntas. Pode me responder sinceramente?
- Com certeza.
- O que sabe sobre a Perrone?
- Quer sinceridade?
- Por favor...
- Praticamente nada. A não ser que é nova em Noriah Norte e que é uma filial.
- O que sabe sobre vinhos?
- Que são muito bons... E uma das minhas bebidas prediletas. Mas depois do chope com sabor que provei na semana passada, deixou de ser o primeiro lugar da minha lista.
- Chope com sabor não está nem perto do que fabricamos. – Ele sorriu.
- Eu sei... Sinto muito.
- Eu pedi sinceridade. Se quer saber, estamos indo bem. Até agora ninguém foi tão sincero.
Ótimo. Por um momento eu achei que tinha botado tudo a perder ao falar do chope. Eu sabia que não podia falar tudo que eu pensava numa entrevista e sim o que queriam ouvir. Mas ele era um homem jovem. Talvez quisesse realmente alguém que dissesse o que pensava e não o que ele queria ouvir.
- Sabe sobre o processo de produção do vinho e se ele acontece aqui nesta filial?
- Não... Sinceramente, não deu tempo de pesquisar antes de vir.
- Se olhar para mim... O que lhe vem à cabeça?
- Um homem jovem... Para tocar um negócio tão grande quanto esta empresa.
Ele gargalhou:
- Na casa dos trinta, em breve.
- Não parece. – Quase completei com um “E eu não estou dando em cima de você, chefe”.
- O que sabe sobre o fundador da Perrone?
- Nada... Mas creio que ele seja um homem de sorte... Por decidir fazer vinhos e ficar rico.
- Bem... Meu pai foi o fundador. Ele quis fazer a filial em Noriah Norte. Era um sonho que ele tinha há muito tempo. Infelizmente logo que ficou pronto o prédio, ele veio a falecer. Não chegou nem a ver tudo funcionando. E não, não há produção aqui. O vinho é feito diretamente na vinícola Perrone, que é onde a família mora.... Caso se interesse em saber.
- Sinto muito pela sua perda.
- Eu acabei ficando com o negócio lá e aqui. Complicado... Mas um desafio positivo. Quero mudar algumas coisas... Modernizar, por assim dizer.
- Posso lhe ajudar nisso... Tenho ótimas ideias.
Ele balançou a cabeça sorrindo, enquanto se recostava para trás na cadeira em couro:
- Sinto muito, Bárbara. Mas preciso de alguém mais experiente. Eu já sou aprendente... Não posso contratar alguém como eu... Infelizmente.
Não consegui disfarçar minha cara de decepção.
- Sinto muito. – Ele disse, parecendo sincero.
- Não sinta... Me dê o emprego... Por favor. – Implorei. – Eu não vou decepcioná-lo. Prometo lhe dar o meu melhor.
- Infelizmente não posso, Bárbara. Eu recebi pessoas bem mais qualificadas e com vasta experiência.
- Senhor Perrone, se alguém não me der uma primeira oportunidade, nunca vou conseguir ser experiente. Até agora só trabalhei em pequenas empresas, recebendo salários não compatíveis com a minha formação e não levando em conta minha inteligência, dedicação e o tempo que demorei para fazer a faculdade. Sem contar os custos ao longo de mais de cinco anos. O senhor pediu sinceridade... E está recebendo isso. Este ramo é complicado... E eu não escolhi marketing por acaso e sim porque eu realmente queria e achava que tinha a ver comigo. Sou boa no que faço e posso provar... Se me der uma chance.
Ele riu e mexeu a cadeira brevemente, com o próprio corpo:
- Bem, já fez sua própria propaganda. Eu compraria você.
- Então me dê uma chance... Por favor. Posso ajudar a vender seu produto.
- Por que ficou tão pouco tempo nos empregos anteriores?
- Eu... Tive problemas pessoais.
- Drogas? Distúrbios psicológicos? Alguém morreu?
- Um namorado cafajeste.
- E no que ele impediu sua permanência nos empregos?
- Drogas... Acabava me importunando dentro do ambiente de trabalho.
- E o que me garante que ele não fará isso aqui?
- Ele está morto... Graças a Deus.
Ele riu novamente, estreitando os olhos e alargando a boca perfeita:
- Sinceridade até demais.
- Prometo me dedicar ao máximo à empresa, senhor Perrone.
- Bárbara... Eu gostei muito de você. Mas infelizmente, preciso de alguém melhor qualificado e experiente. Você sequer sabe a história dos vinhos Perrone e tudo que há por trás.
- O senhor pode me ensinar. Eu sou inteligente, aprendo rápido.
- Vamos fazer o seguinte: eu vou contratar outra pessoa. Alguém com bastante experiência e dentro do que eu procuro. Ele sabe tanto sobre a história do meu pai e todo processo até a criação da empresa que acredito que possa estar mais por dentro do que eu mesmo. Estudou muito para a vaga. Mas vou dar um tempo para ele. Caso não atinja os meus objetivos eu chamo você.
Suspirei, decepcionada:
- Eu sei que não vai me chamar. – levantei. – Está falando isso só porque ficou com dó de me dispensar por eu ter sido tão sincera. E infelizmente a minha sinceridade talvez tenha feito o emprego escapar entre meus dedos. – Balancei a cabeça, chateada. – Não sou uma garota... Mas agi como se fosse.
- Se não é uma garota, tem que aceitar “nãos”. Isso acontece e vai continuar acontecendo ao longo da sua vida.
- Eu sei... Ah, se sei. A questão é que são muitos “nãos” para uma pessoa só. Lamento ter tomado seu tempo.
Virei as costas e saí, sem esperar qualquer outra frase dele.
Final do mês e eu ainda estava deprimida. Quase não saí de casa e tentei até montar uma consultoria de marketing e propaganda online, que não deu certo. E não era só pela questão do dinheiro... Mas também por dignidade e orgulho. Eu tinha tirado as melhores notas da faculdade, me dediquei de corpo e alma, mesmo com todo trabalho que passei com Jardel na minha vida, tentando me fazer voltar atrás nos meus objetivos, fazendo questão de ser o centro do meu universo e tomando todo meu tempo.
Eu era criativa, bem-humorada, bem-apessoada, responsável, espontânea e modesta. Então o que faltava para eu deslanchar e ser uma profissional reconhecida e requisitada?
Estava no sofá, tapada de cobertor, assistindo um filme daqueles que chamávamos de “fingir que estávamos vendo”: Império dos Sonhos.
Ben chegou e bateu a porta com força:
- Chega desta deprê, Babi. Vai se matar pulando de uma cadeira? Ou se afogar bebendo água de copo? Quem sabe se queimar viva na boca do fogão? Pra mim chega. E vai ser hoje que isso vai ter fim. Porque pra mim sexta-feira é dia de foda, baby.
Levantei os olhos para ele e voltei para a TV, que Ben desligou e pegou o controle.
- Eu quero olhar...
- Este filme horrível? Não querida, não vai fazer isso.
Salma apareceu de roupão, com os cabelos desgrenhados e colocou uma água para ferver.
- Você não vai trabalhar hoje? – perguntei.
- Não é só você que tem problemas, Babi.
- Até porque Babi não tem problemas.
- Eu não paguei o aluguel... Estou arrasada.
- Não fique. Mandy pagou por você.
- Não aceitou o dinheiro da minha avó, não é mesmo, Ben?
- Claro que aceitei, Babi. Ela tem grana e só você para dar...
- A última pessoa que eu pensei que me daria alguma coisa deixou eu e minha mãe fora da herança.
- Simples, porque não era sua avó e nada sua. Mandy é um amor e vai lhe deixar uma bela casa no meio do mato, com uns bons hectares de terra, que você pode vender.
- A questão é que Mandy não vai morrer tão cedo. Ela está bem pra caralho para a idade que tem. – Salma falou e notei sua palidez.
- Não fale assim da minha avó, Ben. E você, Salma... O que tem?
- Não vou trabalhar... Estou péssima. Enjoada... E com dor na barriga. Devo ter pego uma virose.
- Ou comido algo que não devia. – Ben falou irônico, como sempre. – Vá se arrumar, Babi. Nós vamos sair.
- Eu não vou sair.
- Vai sim. É uma ordem. – Salma disse.
- Vou cuidar de você.
- Não vai mesmo... Se não for com Ben eu boto você para fora.
- Não quero.
- Você tem meia hora. O Hazard nos espera. – Ele disse saindo.
- Não posso ir ao Hazard sem você, Salma. Nós duas descobrimos aquele lugar.
- Babi, faz quase um ano que eu não vou lá. Meu emprego na noite ocupa todo meu tempo. E não quero que você e Ben deixem de ir lá por minha causa. Sempre foi o nosso lugar preferido.
Levantei do sofá, empolgada:
- Sexta-feira é dia de foda... – comecei a rir. – Mato Ben agora ou depois?
- Depois da foda. – Ela riu, colocando a água quente sobre uma folha de chá na xícara. – Tomara que isso melhore um pouco minha náusea.
- Vai perder sua segunda virgindade hoje, Babi. – gritou Ben do quarto.
- Nem a pau, Ben.
- Sim, com pau. – Ele fingiu não ouvir. – Bem grande.
Corri até o banheiro, mas ele chegou antes de mim na porta:
- Quem chega primeiro ganha, querida.
- Me deixa tomar banho primeiro, por favor... – tentei.
- Eu demoro muito mais para me arrumar do que você. - Ele disse fechando a porta.
Enquanto ele foi para o banho eu segui para o quarto escolher uma roupa. Peguei um vestido preto, básico, com as costas de fora, que só podia ser usado sem sutiã. Um sapato rosa neon daria o contraste no look. Noite de escutar Bon Jovi na Jukebox e ouvir a galera reclamando de quem foi o louco ou louca que colocou aquela música.
Fui para o banho e depois coloquei a roupa. Sequei meus cabelos e deixei-os levemente ondulados.
Quando cheguei na sala, com minha pequena bolsa preta pendurada no ombro, dei uma voltinha e Salma e Ben me aplaudiram.
- Se eu fosse hétero, comia você esta noite, Babi.
- Obrigada, Ben.
- Se eu fosse lésbica, também pegava você, amiga. – Salma tomou o resto do chá, fazendo careta.
- Obrigada, Salma. Vocês são uns amores. E obrigada por me acharem “comível”.
- Querida, se precisar algo... Qualquer coisa mesmo, ligue. – Ben disse para Salma.
- E se quiser, a gente nem sai. – Tentei.
- Sai sim. – Ela disse. – Vou descansar e amanhã acordarei melhor... Espero.
Descemos os dois pela escada.
- Como se não bastasse o elevador estragado, queimou a lâmpada do terceiro andar. – Reclamei.
- Já ouviu dizer que desgraça para pobre nunca vem sozinha? É o nosso caso, Babi.
Começamos a rir. Só meus amigos conseguiam acabar com um estado de depressão para uma alegria sem tamanho em menos de uma hora.
Assim que chegamos na porta de saída do prédio, minha avó estava saindo do carro.
- Vó?
- Babi? Está de saída?
- Bem... Estava... Mas eu volto, sem problemas. Na verdade, Ben me obrigou a sair. – Bati no braço dele, levemente.
- Ben, você é um anjo na vida da minha neta. Ele fez bem. Chega de ficar se lamentando por emprego. Vá se divertir, querida.
- Não vou deixar você sozinha... Nem pensar.
- Vai sim. Eu não vim para ficar. Só para lhe trazer uma coisa.
- O quê?
Ela retirou um envelope da bolsa e me entregou. Abri e tinha dinheiro vivo. Uma boa quantia. E um cartão de crédito.
- Ah, eu não vou aceitar isso. – Tentei devolver e ela cruzou os braços.
- Vai aceitar sim. Se lhe deixa mais tranquila, é só um empréstimo. Quando conseguir trabalho, me paga.
- Vó... Não...
- Não quero você triste por causa de dinheiro.
- Como vou aceitar dinheiro e um cartão se você já pagou o aluguel para mim?
- Você é minha única herdeira, Babi. Tudo que tenho é seu. Não vou vê-la passar trabalho ou ficar triste sendo que posso ajuda-la. Não sou rica, mas tenho dinheiro suficiente para viver uma boa vida até o fim dos meus dias.
- E não tem obrigação de me sustentar.
- Tenho sim... Por tudo que eu não fiz pela minha filha.
Olhei-a, confusa. Era a primeira vez que ela falava sobre minha mãe com certo arrependimento.
- Vó...
Ela voltou para o carro, abrindo a porta:
- Divirta-se, querida.
Ligou o carro e partiu, me deixando ali, na calçada, com dinheiro e cartão de crédito.
- Mandy é perfeita. Posso pegar sua avó para mim?
- Não mesmo... Ela é minha. Mas eu empresto.
- Não vai guardar o dinheiro no apartamento?
- E subir quatro andares com meus sapatos de Barbie? Nem pensar.
Ele me abraçou e fomos assim, grudadinhos, andando até o Hazard.
Meu sonho sempre foi conhecer a Babilônia. Mas o Hazard era o meu lugar preferido para beber e passar a noite com companhias agradáveis.
O Bar era antigo. Abria depois das 21 horas e geralmente não passava da 1 hora da manhã. Só tinha uma porta de entrada, quadriculada e envidraçada. Assim que passasse, encontrava-se um ambiente à meia luz, com um bar recheado de bebidas à esquerda e alguns bancos almofadados para quem quisesse beber diretamente com os barman’s, podendo se lamentar e pedir várias doses em pouco tempo, pois eles eram rápidos.
À direita, pequenas mesas, todas com sofás duplos em couro, iluminadas por pequenas andarelas individuais, amareladas, na parede.
As paredes, por sua vez, eram todas com colagens de bandas de rock e pop antigas e atuais. Eu achava aquilo o charme do lugar. A jukebox dava a vez na música e raramente alguém dançava, entre o bar e as mesas. Eu adorava quando tinha Karaokê. Mas demorava para acontecer.
Assim que entramos, cumprimentamos os barman’s. Apesar de fazer tempo que estávamos sem ir ali, todos nos conheciam. Jardel havia ido algumas vezes comigo e arrumado confusão. Ainda assim foram o pessoal foi legal e nunca me expulsaram... Só ele.
Tinha também uma mesa de sinuca, perto da jukebox, antes dos banheiros, numa área quase sem luz. Dizíamos que só servia de pretexto para casais “se agarrarem”, fingindo que jogavam.
Sentei de frente para Ben, um em cada sofá.
- O que vai beber, Babi? – o barman perguntou, vindo até nós. – Precisam brindar... Afinal, faz meses que vocês não vêm aqui. – brincou.
- Vinho... Vamos brindar com vinho. – falei, decidida.
- Branco?
- Tinto... Suave.
- Paladar empobrecido. – Ben reclamou. – Pra mim branco e seco. E depois vamos querer um espumante... Na garrafa, para abrirmos aqui.
- Bora comemorar. – Ele disse, enquanto anotava os pedidos.
- Vamos comemorar que minha amiga aqui vai perder a virgindade pela segunda vez.
- Ben! – olhei para ele, morrendo de vergonha.
Foi então que vi o homem parado escorado no bar, bebendo algo que eu não consegui identificar. Era alto, magro, moreno, cabelos lisos e por cortar. Os olhos eram claros. Ele ficou me encarando e levantou o copo na minha direção.
Sorri, sem disfarçar meu interesse:
- Ben... Você trouxe colherinha?
- Não, Babi.
- Preciso ser juntada...
Ele olhou na direção dos meus olhos:
- Ah, eu também derreti, amiga.