Olhei tranquilamente na direção dele:
- Senhor Casanova? Não percebi que estava aqui. Me desculpe. – Levei a mão ao rosto, fingindo surpresa.
- É claro que você me viu, Bárbara. Assim como eu vi você com este homem. A família dele é perigosa. Cuide-se: você pode acordar numa cadeira de rodas.
O garçom veio até a mesa de Heitor, levantando sua cadeira. Todos os olhares estavam sobre nós.
- Sente-se, Thor! – Cindy falou, com o rosto avermelhado.
A encarei e sorri. Ela ia saber com quem estava lidando.
- Ela não corre este risco, porque não é uma canalha, como seu pai. – Sebastian revidou.
Heitor sentou e percebi que estava ofegante. E muito furioso. E ficaria pior. Ele estava com Cindy novamente. Ou seja, nada mudaria, nunca. Ainda bem que não acreditei nele nem lhe dei uma chance. Porque eu seguiria sendo a amante daquela loira que dançava no pau do meio. Casanova não prestava, assim como seu pai e o restante de sua família.
O garçom trouxe o vinho, abrindo-o na nossa frente. Serviu as taças e quando saiu, Sebastian disse, com voz baixa:
- Não quero problemas, Babi. Se eu soubesse que ele estaria aqui, juro que não teria vindo. Mas se preferir, podemos ir para outro lugar. Só quero ficar com você... Nada mais.
Coloquei minha mão sobre a dele e olhei em seus belos olhos azuis:
- Tudo bem. Desculpe meu comportamento.
Nossas mãos se enlaçaram e Heitor levantou-se, derrubando uma taça no chão, que se espatifou em minúsculos pedaços, chamando a atenção de todos novamente.
Temi que ele pudesse vir até nossa mesa, mas não. Saiu, deixando Cindy sozinha e sem reação.
Será que ele havia ido embora? Por Deus, o que ele estava fazendo?
- Um brinde. – disse Sebastian, pouco se importando com Heitor. – A nós.
Toquei minha taça na dele, mas lembrei imediatamente do meu brinde com Heitor: “à nossa primeira noite perfeita”. Ri de mim mesma e tudo que aconteceu entre nós. Como deixei aquilo ir tão longe? Como consegui me apaixonar justamente por aquele homem?
Antes que continuasse tentando descobrir onde ele havia ido, o vi voltando. Eu não queria ficar com os olhos para a mesa dele, não conseguindo prestar atenção no meu irmão e na nossa conversa. Mas não tinha como. Ele estava lindo, vestido de terno, como habitual. Uma camisa azul claro por baixo e não usava gravata, o que lhe dava um ar mais jovem. Os cabelos escuros estavam bem penteados e a claridade ofuscava o verde de seus olhos. A barba bem-feita emoldurava o rosto em formato quadrado, com as mandíbulas aparentes.
Nossa comida chegou e eu saí do transe dos olhos dele.
- Acho que pedi muita comida. – Observei, enquanto olhava o garçom colocar alguns dos pratos em ordem sobre a mesa.
- Também acho. – Sebastian riu. – Mas esta comida é como estar em casa. Talvez eu coma mais do que pedi.
- A parte boa do seu país é a comida. – Ri.
- E os vinhos. – Completou.
A comida estava saborosa.
- Fez uma boa escolha no restaurante. – falei.
- Ben já tinha me dito que você gostava muito de massas e pizzas. Então eu já sabia previamente como agradá-la.
- Fico feliz que tenha se importado em me agradar, Sebastian.
- Procurei tanto por você, Babi.
- E eu jamais imaginei ter um irmão perdido. Até porque, confesso que nunca quis saber sobre o meu progenitor.
- Você não consegue dizer “pai”?
- Não... Ele não é meu pai. Ele é “seu” pai. Para mim, é só o homem que engravidou a minha mãe.
Embora tenha provado um pouco de cada coisa, não consegui comer tudo.
- O restaurante é ótimo e a comida maravilhosa. Preciso ir ao banheiro antes da sobremesa. – levantei.
- Posso escolher a sobremesa?
- Claro, confio na sua escolha.
Levantei e desta vez consegui não olhar na direção de Heitor e Cindy. Passei diretamente entre as mesas e me dirigi ao banheiro.
Precisava passar uma água no rosto, para me recompor. Enquanto eu conversava com Sebastian, minha mente estava na mesa ao lado, pensando num certo CEO desclassificado que só fazia besteiras. E o ciúme estava tomando conta de mim. Eu não suportava Cindy e ainda não entendia o motivo de Heitor ser tão ligado àquela mulher.
Abaixei a cabeça e molhei um pouco a nuca, ao sentir um pouco de tontura. Talvez fosse dos nervos, que estavam à flor da pele.
Assim que levantei a cabeça, dei de cara com “ele”. Os olhos verdes me consumiam como chamas e meu coração imediatamente disparou e o frio na barriga voltou, daquele jeito que só ele conseguia despertar em mim.
Claro que eu queria falar mil coisas, mas fiquei travada, me remetendo a outra situação entre nós no banheiro de um restaurante.
Talvez eu não tenha sido pega tão de surpresa com a presença dele ali. Quem sabe fui ao banheiro na esperança de ele aparecer.
Heitor veio na minha direção e pegou meus cabelos, colocando para o lado e beijando minha tatuagem, lentamente. Fechei os olhos e senti minha pele arrepiar-se.
- Não me toque. – falei, num fio de voz.
- Me peça qualquer coisa, menos isso. Não a tocar é como estar no cinema e não assistir ao filme.
- Péssima comparação. Sou seu filme de comédia, não é mesmo? Porque é isso que sou para você. Alguém que você brinca e depois ri pelas costas.
- Você sabe que isso não é verdade.
Tentei sair e ele pegou-me pela cintura, me empurrando com seu corpo em direção ao balcão da pia, encarando-me pelo espelho, com o rosto sobre meu ombro.
- Bárbara, eu não sou o mesmo sem você.
- Acha mesmo que esta conversa vai me convencer? Eu já havia dito que estava tudo terminado entre nós, qualquer possibilidade de isso continuar. E você aparece aqui com Cindy? – ri, sarcasticamente. – Pensa que eu sou o que, Heitor?
- A mulher da minha vida.
- Palavras por si só não valem sem atitudes. Não sou como sua acompanhante. Eu não aceito migalhas e já lhe disse isso.
- Eu me entreguei por inteiro a você, Bárbara, como nunca fiz antes na vida.
Empurrei-o com minha bunda e retirei suas mãos da minha cintura, virando-me para ele:
- Você tinha dito que ela não fazia mais parte da sua vida. E que estava fora da Babilônia.
- Sim, eu a chamei para jantar. Porque estou tentando convencê-la a sair do meu prédio.
Eu ri:
- Quer mesmo que eu acredite nisto? Talvez o encontre na próxima semana com ela e será porque já a convenceu a sair da direção da Babilônia, de sair da dança principal e do prédio, mas só está se certificando de que tudo saiu como o esperado? Não me subestime, Heitor. E precisamos sair daqui. É um banheiro feminino. Ah, esqueci: você faz xixi sentado. – Debochei.
- Ninguém vai entrar na porra do banheiro enquanto estivermos aqui e você sabe disto.
- Não acredito que trancou a porta!
- Acha que vim até este restaurante no fim do mundo por que, Bárbara?
Arqueei a sobrancelha, confusa.
- Por você. – Olhou nos meus olhos, novamente se aproximando.
- Está me seguindo, Heitor?
- Um pouco... Só um pouco. Preciso saber se está tudo bem, Bárbara. E que você não está com Sebastian.
- Não posso lhe dar esta garantia.
- De que está bem?
- De que não estou com Sebastian. – Olhei nos olhos dele.
- O que quer de mim? Peça, e eu farei.
- Houve uma vez que realmente eu queria tirar Cindy do caminho. Agora pouco me importo. Não quero mais seguir com isso, em hipótese alguma. Não acreditava em mudanças repentinas e agora acredito menos ainda. Você me provou que as pessoas não mudam.
- Será que vou sempre ser comparado com a porra do seu ex?
- Sim... E vai servir como comparação para o próximo.
- Não vai haver próximo. – Ele pegou meus pulsos e colou o corpo ao meu.
- Sebastian já é o próximo. A fila andou. – falei, num fio de voz.
Ele me soltou imediatamente e pude perceber a fúria nos seus olhos.
- Você sabe o quanto eu odeio Francesco e Sebastian Perrone, não é mesmo?
- Não deveria odiar Sebastian, Heitor. Ele não teve culpa do que os pais de vocês fizeram no passado. Nem você nem Milena são culpados.
- Quero chegar no ponto que, por mais que eu odeie Francesco, entendo exatamente o ódio que ele sentiu pelo meu pai quando o viu com a sua mulher.
- Do que você está falando?
- Que eu sinto na pele isso. Se eu tivesse uma arma neste momento, atiraria na cabeça de Sebastian. O arrancaria da sua vida para sempre e vingaria o meu pai.
- Você não pode estar falando sério. – Fiquei pasma.
- Já imaginou o que você tem de mais importante na vida nas mãos de outra pessoa?
Eu não respondi e ele virou as costas, indo para a porta. O puxei pelo braço e encarei-o:
- Sim, eu já vi. Agora pouco, na mesa ao lado da minha. Entende o que eu sinto agora?
- Talvez você tenha razão... Não era para ficarmos juntos. – Abaixou a cabeça. – Eu tenho me esforçado, mas ainda assim não é o suficiente. Aliás, nada que eu faço é o suficiente.
- Heitor, você está aqui com ela. Isso é imperdoável. E não, eu não tenho nada com Sebastian. É uma relação patrão empregado.
Eu não podia deixá-lo odiar Sebastian mais do que ele já odiava. Minha função era acabar de vez com a briga entre os dois e não fomentar aquela inimizade.
- Por que eu preciso aceitar isso e você não pode aceitar Cindy na Babilônia? Sebastian colocou você no último andar em poucas semanas. E eu sempre acreditei que era por sua competência, mesmo com o ciúme acabando comigo.
- Sou tão competente que você roubou a minha ideia.
- E você nunca vai me perdoar, não é mesmo?
- Não sei se consigo.
Ele riu ironicamente a balançou a cabeça:
- Não há o que fazer a não ser aceitar o fim do que nem começou.
- Há uma grande diferença entre Sebastian e Cindy e a relação que temos com eles.
- Nem vou perguntar qual é a diferença, porque certamente você é a certa na história toda, não é mesmo? Volto a dizer, eu entrei de cabeça nesta relação e você só molhou os pés.
- Não me importa o que você pensa. – Menti, sentindo meu coração partido e o peito doendo.
Eu sabia que já não tínhamos mais nada e que o fim já havia inclusive ocorrido. Ainda assim ele falar aquilo e estarmos novamente juntos, num mesmo ambiente, me abalava profundamente.
- Antes de eu ir, de vez, posso pedir uma coisa? – ele virou para mim.
- O quê?
- Posso... Lhe dar um último beijo?
- Último beijo? – fiquei confusa. – Está brincando?
- Não... Não estou.
- Estamos no banheiro de um restaurante.
- Já fizemos amor num elevador.
- Fizemos?
- Me enganei: eu fiz amor. Você só fez sexo.
Eu poderia dizer que ele estava tirando onda com a minha cara. Mas ele estava muito sério e eu conseguia ver sentimentos e dor nos olhos dele.
Ele virou as costas e eu disse:
- Sim!
- Para você foi só sexo? – Me encarou.
- Eu aceito... O beijo dentro da porra de um banheiro de restaurante. Afinal, nunca nada foi normal com você.
Ele sorriu, derretendo todo o gelo que estava dentro de mim:
- Nada foi normal, Bárbara! Nunca, desde que nos conhecemos, no corredor da Babilônia, num lugar proibido para clientes. Andei numa moto com você... Fui preso por isso. Fizemos amor no elevador... – sorriu. – E se quiser, eu posso detalhar cada momento que passei ao seu lado. – Pegou minhas mãos.
- Não é necessário, desclassificado. Não precisa me lembrar o que eu jamais conseguiria esquecer.
Heitor puxou minha cintura de encontro ao seu corpo e me beijou. Meus braços enlaçaram-no pelo pescoço enquanto nossas línguas se tocavam ansiosas, fazendo meu corpo começar a arder em fogo.
Ele abraçou-me com força, erguendo-me do chão enquanto minhas mãos foram diretamente aos seus cabelos macios, que despenteei com meus dedos, enquanto sentia o desejo tomar conta de mim.
Eu pouco me importava de onde estávamos. Eu só queria que aquele último beijo durasse para sempre. Porque eu sabia que quando nossas bocas se separassem, seria realmente o fim.
Quando o ar falou aos nossos pulmões, encerramos o beijo e ele me colocou de volta no chão. Ficamos nos olhando, sem dizermos nada. Eu sentia meu coração saltando dentro de mim e percebia que ele estava quase sem fôlego e sua camisa chegava a se mover com a força que o coração dele batia.
Toquei seu peito e senti o coração, batendo tão forte pelo nosso beijo.
- Ele fica assim sempre que vê você. – Colocou a mão sobre a minha, com os olhos fixos nos meus e a boca com um pouco do meu batom.
Eu não disse nada. Porque simplesmente não conseguia montar uma frase clara na minha mente a não ser “eu te amo, Heitor”.
- Me dá uma chance... Por favor. – Heitor pediu.