Passeei com Mandy pelo centro da capital de Noriah Norte com Maria Lua. Levamos o carrinho, mas minha avó quase não a deixou nele, só querendo dar colo para nosso pequeno raio de sol com nome de lua.
Tirando as consultas de rotina no pediatra, foi a primeira vez que saí com Maria Lua de casa. Eu e Ben preferíamos deixá-la em casa, temendo qualquer coisa que pudesse acontecer com ela como também os questionamentos que pudessem vir.
Contei a Mandy sobre o dia que revelaríamos a verdade a Heitor e sobre Allan estar no hospital. E também que Heitor não havia acreditado que pudesse ser pai.
Quando estávamos entrando novamente em casa, final de tarde, Mandy perguntou:
- Você vai conversar com Allan sobre sua mãe?
- Eu... Não tenho certeza. Mas acredito que sim. Ele é o único que pode me contar a verdade sobre o que aconteceu. Eu... Gosto dele. Muito.
Abri a porta e entramos. Maria Lua estava dormindo. Coloquei-a no berço enquanto Mandy me acompanhava.
Voltamos para a sala e ela disse:
- Preciso voltar. Não quero chegar tarde em casa.
- Mas você nem tem compromisso. Por que não dorme aqui comigo esta noite?
- Sabe que não deixo meu recanto – sorriu – Quando pretende falar com Allan Casanova?
- Eu não sei...
- Fico pensando o quanto o destino uniu você e sua mãe a esta família. É como se... Você tivesse que terminar o que ela começou.
- Simpatizei com Allan desde o momento que o vi pela primeira vez. Não aconteceu o mesmo com Heitor. Foi ódio à primeira vista.
- Ódio que se transformou em amor?
- Sim... – Confessei.
- Sua mãe era louca por Allan. Não entendo como ela não partiu com ele quando ele decidiu que iria para a faculdade, mesmo sendo distante.
- Eu acho que ela já tinha aberto mão de tudo por ele uma vez, quando deixou a casa da família... Os pais. Não quis fazer novamente. Quem sabe achou que ele precisava abrir mão, pelo menos uma vez.
- Beatriz era impulsiva.
- Eu nunca a vi assim. Era tão tranquila, calma, carinhosa, responsável.
- Beatriz mudou... Amadureceu, teve uma filha. Ainda lamento não ter podido aproveitar mais o tempo com ela.
- Eu me pego pensando se Maria Lua fosse sangue do meu sangue eu seria capaz de amá-la mais do que já amo. Porque... O que sinto por ela é um amor inexplicável.
- Não acho que a amaria mais. Você a ama como uma mãe ama um filho.
- Heitor vai demorar a acreditar em tudo que aconteceu.
- Por que você não... – Ela calou-se, pensativa.
- O que ia dizer, vó? Termine.
- Encurte a história, Babi.
- Como assim?
- Diga que a filha é sua e dele e talvez seja a solução para seu medo e insegurança quanto a ele tirá-la de você.
- Já pensei nesta possibilidade. Mas... Ele jamais me perdoaria por ter uma filha “nossa” e não ter lhe dito a verdade.
- Você já fez isso, Babi. Ele se sentirá enganado da mesma forma, por Salma, por você, por Ben.
- Mas Maria Lua não nasceu de mim. Eu só soube a verdade quando Salma morreu.
- Ainda assim não contou para ele imediatamente.
- Só por um pouco mais de quatro meses. Se “eu” tivesse engravidado dele... Achará que a mentira terá sido por bem mais tempo, entende? Heitor jamais me perdoaria. Além do mais, ele deixou muito claro que odeia mentiras. Aliás, quem não odeia, não é mesmo? O senti receoso de toda história que falei da filha...
- Ele é um milionário. Certamente tem receio de quem se aproxima dele, se é por amor ou interesse.
- Mas... Ele sabe que o amo.
- Por que você disse? – ela arqueou a sobrancelha – Palavras não significam verdades... Nem sempre.
- Vó, está me deixando confusa.
- Não quero deixá-la confusa. Só acho que isso tudo é um emaranhado de situações complicadas e mentiras. Desde que Salma planejou esta gravidez até a sua morte.
- O diário prova que eu nunca estive envolvida nisso... Nem Ben. Ela deixa claro que tudo partiu da cabeça doente dela.
- Achei horrível o que ela fez. Mas sinceramente, não me atrevo a julgar. Porque eu deixei minha filha partir, sem fazer nada para impedir. E me pego pensando: onde eu estava com a cabeça quando fiz isto? Que tipo de pessoa eu fui?
- Eu me pego julgando... Mas também lembro do quanto perdi da minha vida ao lado do desclassificado do Jardel. E Salma nunca me julgou. Pelo contrário: sempre esteve ali, com o ombro preparado caso eu precisasse chorar.
- E a família dela? Souberam do bebê?
- Não. Sequer foram ao enterro. Um dos irmãos apareceu e nem ficou muito tempo.
- Isso é triste!
- Salma detestava eles. Sei tudo que ela passou quando morava naquela casa. E certamente há bem mais, que ela não contou.
- Vai ser complicado para Heitor e os Casanova aceitarem tudo isso.
- Eu sei. E ainda tem o nome de Sebastian da certidão. E isso vai foder tudo ainda mais.
- Por que ainda não tiraram?
- Por que fazer duas vezes? Heitor vai saber a verdade agora e providenciará o registro correto.
- Vai contar que Sebastian é seu irmão?
- Se Allan souber que sou filha de Beatriz Novaes, certamente me associará à Francesco Perrone.
- Heitor vai fazer DNA em Maria Lua. Mas jamais faria teste de DNA entre você e ela.
- Como assim?
- Babi, talvez dizer que ela é de vocês dois seja menos conflituoso. Se Heitor ama você, aceitará a criança e pronto. Talvez fique bravo alguns dias, mas vai perdoá-la.
- Mas... O fato de Salma ser a mãe não muda nada, vó. Maria Lua continua sendo dele.
- Tenho medo de ele transpor a raiva que sentirá por Salma para a criança.
Senti meu coração bater acelerado. Ela tinha razão. Não seria fácil Heitor aceitar a forma como foi usado. Minha esperança era ele olhar aquele serzinho lindo, perfeito e inocente e sentir tudo que eu sentia por ela. Mas e se não fosse assim?
- Contar a um homem que nunca quis ser pai que ele tem uma filha com uma mulher que nem conhece... Eu estou fodida, vó.
- E esqueça o que eu disse. Mentir nunca é a solução, querida. Talvez eu tenha ficado fora de mim um tempo.
- Heitor disse que minha loucura é contagiosa – comecei a rir – Eu não vou mentir para ele, não se preocupe.
Ela me deu um beijo na testa:
- Preciso ir. Qualquer coisa, me ligue. Volto na terça para ver como está nossa pequena. E se Heitor acreditou que era pai – ela pôs a mão na testa. – Deus, isso vai ser complicado!
- Eu sei. Talvez uma das coisas que me deixaram mais ansiosa até hoje.
- Não vá sem Ben.
- Eu sei. Não vou.
Ela saiu e eu fui para o quarto e coloquei uma roupa confortável. Apesar de não ter dormido na noite passada, estava elétrica e sabia que não conseguiria deitar e dormir de imediato. E tinha medo de ferrar no sono e não ouvir Maria Lua chorar.
Deixei a mamadeira dela pronta no micro-ondas e sentei no sofá para assistir um filme, da série: “Para rir”. Mas quando me dei em conta, estava colocando o show do Bon Jovi em Noriah Norte, na noite que eu não pude assistir porque minha menina nasceu.
Meu celular vibrou e abri a mensagem do DESCLASSIFICADO MOR, já sentindo meu corpo estremecer e o coração parecendo querer deixar o meu corpo.
Desclassificado Mor: Não sei se já está dormindo, mas igual, desejo boa-noite. Caso só abra a mensagem amanhã, bom dia.
Sorri e digitei:
Babi: Boa noite. Ainda não consegui dormir.
Desclassificado Mor: Aposto que pensando em mim.
Babi: Só um pouquinho.
Desclassificado Mor: Também não dormi ainda. Foi um dia cheio. Queria você comigo agora.
Babi: Estou com você. Meu coração e minha mente, sempre.
Desclassificado Mor: Dia cheio de problemas. Ainda assim enquanto o mundo desabava na minha cabeça, eu pensava em você.
Mandei uns mil emojis de coração.
Babi: Problemas na North B.?
Desclassificado Mor: Sempre há problemas na North B. Se ela fosse como a Babilônia eu seria um homem feliz.
Babi: Lembra do jantar na segunda-feira?
Desclassificado Mor: Lembro que alguém roubou minha chave, que algemei uma loira gostosa na cama, fodi ela com força, marcando seu pescoço. Beijei uma tatuagem do Bon Jovi... E abri caminho para comer seu c...
Alguém bateu na porta com força, me assustando. Nem li o restante do que ele escreveu.
Babi: Só um minuto. Estão batendo na porta aqui.
Desclassificado Mor: Quer que eu repita o faltou eu comer?
Babi: Chegou alguém. Vou atender.
Abri a porta e dei de cara com a mãe e o padrasto de Salma. Foi como se eu estivesse em outra dimensão. Tudo escureceu ao meu redor.
Meu coração bateu tão forte e senti minhas pernas amolecerem e um frio percorrer meu estômago, descendo pela barriga:
- Vocês... Estão no lugar certo? Acho que erraram a porta. – Tentei convencê-los.
- Não. Queríamos falar com você mesmo, Babi. – A mãe de Salma disse, enquanto mascava um chiclete de boca aberta, os cabelos ruivos presos num rabo de cavalo no topo da cabeça, os fios parecendo terem sido eletrocutados na rede elétrica. O batom vermelho mais fora do que nos lábios.
- Comigo? – Perguntei, surpresa e ao mesmo tempo receosa.
- Vim saber sobre o dinheiro que Salma deixou para a filha.
Foi como se o mundo desabasse na minha cabeça exatamente naquele momento. Eu chegava a sentir o peso do concreto, como se tivesse me destruindo vagarosamente, até eu me transformar em pó.
Com dificuldade, saí da frente deles, que entraram sem rodeios.
Ben, por que você teve que viajar justo hoje, porra?
Anya sentou no braço do sofá, como se fosse íntima da casa. A saia curta deixava à mostra suas pernas e a roupa justa transparecia cada curva do seu corpo.
Breno, por sua vez, usava um jeans surrado, tênis importado, e uma camisa xadrez em marinho, preto e branco. A barba dele estava crescida, os cabelos precisavam de um corte, mas a cara de sem-vergonha abusador de meninas era a mesma.
Fechei a porta, sabendo que precisava enfrentá-los sozinha e tirar forças de onde eu nem imaginava que tinha:
- O que exatamente vocês querem? Sinceramente, não entendi nada. Sabem que Salma morreu, não é mesmo?
- Sim. – Ela confirmou.
- E... Não quis despedir-se dela? – Perguntei, com um nó na garganta.
- Despedir-me? Ela estava morta, caralho. – O tom de voz dela era alto.
- De onde você tirou esta história que ela teve um bebê?
Ela riu, mascando o chiclete com mais força:
- Conto o milagre mas não conto o santo, “Santa Bárbara”.
Os dois riram divertidamente da piada que não entendi.
Anya olhou para os lados, analisando rapidamente o apartamento:
- Vocês estão bem, hein. Eu soube que minha filha ganhava bem fazendo programas numa boate. Ela era stripper também ou só prostituta?
- Ela não era stripper. E não fazia programas. Ela era dançarina.
- Minha fonte pode ter se enganado em algumas partes.
- Ou não. – Breno riu, mostrando os dentes grandes e desalinhados, um som nasal insuportável.
- Salma não esteve grávida e nem teve bebê. – Me ouvi dizendo, como única alternativa.
- Mas... – Anya pareceu confusa.
- Ok, Anya, eu vou lhe contar a verdade, embora espere discrição da sua parte.
- Claro! Eu sei guardar segredo, não é mesmo, amor?
- Sim, sabemos – Breno confirmou – Tem uma bebida para nos oferecer?
- Leite... Materno – me ouvi dizendo – Estou amamentando.
- O bebê de Salma? – Anya perguntou.
- Não. O meu bebê. Esta é a verdade. Eu fiquei grávida de um homem casado. Sabem que minha família jamais aceitaria. Então... Eu pedi para Salma inventar que o bebê era dela quando nascesse. Acontece que a minha amiga morreu antes de poder assumir a minha filha.
- E agora você mente para sua família que a criança é de Salma?
- Não... Eu já contei a verdade.
- A criança está aqui?
- Sim.
- Posso vê-la? – Anya pediu.
- Não, não pode. Ela é minha filha, Anya. Então você não tem direito de vê-la. Se duvida, vamos fazer um teste de DNA que prova de uma vez que Salma não tem ligação nenhuma com Maria.
- Se eu pedisse o DNA você faria, Babi? – Ela questionou.
- Claro que sim – eu disse firmemente – Se quiser, faço amanhã mesmo e mando o resultado para vocês. – Blefei.
- E o dinheiro? – Breno perguntou.
- Que dinheiro?
- Que Salma deixou para a menina?
- Salma... Não deixou nada. Eu não sei do que vocês estão falando. O que eu posso lhes dar é os pertences pessoais dela, que ainda nem terminei de organizar. Não há mais nada. E mesmo que houvesse, Salma jamais quereria que vocês tocassem em qualquer coisa dela.
- Nisso ela tem razão – Anya olhou para Breno – A questão é que se o bebê fosse dela, seríamos os responsáveis, já que minha filha “bateu as botas”. Então ela não teria como decidir nada.
- Descansou a periquita. – Breno me olhou debochadamente, fazendo o sangue ferver dentro de mim, ao mesmo tempo que fechei as mãos com força, rezando para conseguir controlar-me.