Não tinha o que fazer a não ser enfrentar Heitor Casanova. Não havia como provar a história de Salma sem os diários. Ele acharia com certeza que eu estava envolvida em todo o plano dela..
Tomei um banho de gato, enquanto olhava Maria Lua no carrinho. Saudades dos meus banhos demorados, daqueles que eu ficava sem pressa debaixo do chuveiro, enquanto o vapor tomava conta de todo banheiro e era até possível escrever recadinhos para Ben no vidro do box suado.
Atualmente não dava tempo de criar vapor pela água quente. O banho era rápido demais. No entanto, justo naquele dia, Maria precisaria ter um pouco mais de paciência, pois eu precisava pelo menos botar a depilação em dia.
Enquanto fazia isso, comecei a rir:
- Quem disse que você vai ficar nua hoje, Bárbara Novaes? Heitor sequer chegará a olhar o que há por baixo do seu vestido. Talvez você nem pise mais os pés na casa dele. E nunca mais façam amor. Bem, ainda assim estarei com o coração completamente destruído, aos pedaços, mas depilada.
Enxuguei-me rapidamente, colocando a toalha em volta dos cabelos enquanto conduzia o carrinho nua até meu quarto, enquanto procurei um vestido elegante, que não tenho certeza se eu tinha.
- Credo, meu armário precisa de uma repaginada urgente. – Olhei para os vários cabides vazios, por falta de roupa ou estarem caídas, misturadas na parte de baixo.
Encontrei um vestido bege, em tecido fino e macio, não longo nem curto, com uma fenda que mostrava parte das pernas, indo até a coxa. O busto era simples e não evidenciava o peito, com uma parte do tecido caindo levemente entre os seios. As alças eram finas, mas tão finas que pareciam que poderiam arrebentar e me deixar com os peitos à mostra. Não pus sutiã porque marcaria e por sorte meus seios não eram caídos... Ainda.
Pensei em não usar calcinha. Mas encontrar Heitor sem lhe dar uma calcinha para roubar era um verdadeiro pecado.
Olhei para Maria Lua, ainda acordada, sem chorar, olhando para o móbile acima do carrinho, que girava com o vento vindo da janela.
- Achei mesmo que a noite ia acabar comigo e ele na cama? Sua mãe está ficando louca, Maria. O máximo que podemos ter é um pingo de compaixão e ele não nos mandar embora na madrugada ou assim que chegarmos.
Fui até a janela e fechei-a. O vento poderia deixar a pequena resfriada. Já era quase sete horas e eu nem tinha me maquiado ou trocado a roupa dela.
Corri até o armário dela, pisando na bagunça das coisas de Salma jogadas pelo chão. Abri as portas, vendo a organização dos vestidos nos cabides, cobertos com plásticos individualmente, que evitavam pegar sujeira. Ben inclusive havia organizado por cores.
- Inveja de você, pequena. – Me ouvi falando, enquanto escolhia um vestido vermelho com laço da mesma cor.
Vermelho combinava com a pele clara dela e os poucos cabelos alaranjados, além de destacar os olhinhos verdes esmeralda. Os cílios dela eram enormes, de dar inveja.
Troquei a fralda e pus o vestido, abusando do perfume baby. O sapato branco enfeitado em pérolas deu o toque final.
- Seu pai vai achar você linda... – Sorri, enquanto a levantava, analisando cada detalhe daquele ser perfeito que era de minha responsabilidade e que tomava conta de todo o amor existia em mim.
Faltava cinco minutos para as sete quando preparei a mamadeira que lhe daria no caminho, pois já quase passava da hora. E outra foi guardada na bolsa, já organizada previamente com roupas, fraldas, pomada de assadura, outra chupeta, desnecessária, já que ela nem chupava e um bichinho de pelúcia reserva.
Sete horas em ponto eu estava pronta, com ela no colo e o carrinho dobrado em frente à porta. E não, eu não desceria sozinha com aquele vestido, uma sandália salto dez, uma bebê e um carrinho por mais de cinquenta degraus.
Fui até a janela. O carro estava parado e Anon 1 escorado na porta. A minúscula claridade que seguia os movimentos de sua mão deixava claro que ele estava fumando um cigarro.
- Anon? – Gritei do quarto andar.
Ele olhou para os lados, procurando de onde vinha minha voz, enquanto jogou o cigarro no chão, pisando em cima rapidamente.
- Aqui em cima, Anon.
Ele levantou a cabeça na minha direção, acenando.
- Vou abrir para você subir. Preciso de ajuda aqui.
- Ok, senhora Bongiove.
Esperei pelo lado de fora da porta. Quando ele chegou, ficou surpreso ao me ver com a bebê.
- Ok, é uma longa história – já fui explicando – Leve o carrinho e a bolsa que eu levo a bebê. Maria Lua, este é Anon 1. Dei a ele o número 1 porque tem outro dele, só que é guarda-costas do seu avô. Provavelmente ele também vai cuidar de você, assim como cuida do seu pai há bastante tempo. Quem sabe levá-la para escola, nas consultas médicas... Nas primeiras baladas...
Ele mirou meus olhos e foi descendo, sem dizer nada. Eu segui atrás dele, até chegarmos ao último lance de escadas.
Anon colocou o carrinho no porta-malas e abriu a porta para eu entrar com Maria Lua.
- Não precisamos de uma cadeirinha, senhora Bongiove?
- Certamente Heitor vai providenciar em pouco tempo. Por hora, eu sou o bebê conforto dela.
Anon tomou seu lugar na direção e ligou o carro. Nossos olhares se encontraram no espelho do centro do carro.
- Quer perguntar algo, Anon?
- Não, senhora.
- Ela é filha dele. – Falei, sabendo de toda discrição dele naquele momento, mesmo estando cheio de dúvidas.
Retirei uma das mamadeiras da bolsa e comecei a dar para Maria Lua.
- Ela é parecida com a senhora. – Ele disse.
- Jura? – fiquei feliz – Você é a primeira pessoa que diz isso. Por isso o amo, Anon. Quando tudo se resolver, quero você como meu segurança e de Maria Lua. Aceitaria trocar Heitor por nós duas?
- Com todo prazer, senhora Bongiove. – Ele sorriu.
- Então teremos que encontrar outro guarda-costas para Heitor. Acha que Anon 2 se importaria de deixar o senhor Casavelha e cuidar de Heitor?
- Eu... Não sei, senhora.
- Estou nervosa. – Confessei.
- Ele não sabe, não é mesmo?
- Não. E meu coração está quase saindo para fora do meu peito. – Fui sincera.
- Quem não se apaixonaria por esta criança?
Mirei os olhinhos fechados, o leite sendo sugado de forma lenta, com grandes pausas. Certamente ela estava em dúvida entre dormir ou terminar a mamadeira.
Sorri, boba, olhando aquela perfeição. Retirei a mamadeira da boca minúscula dela e limpei os vestígios de leite.
- Ele se apaixonará por ela da mesma forma como se apaixonou pela senhora. – Anon falou.
- Espero... Do fundo do meu coração.
O carro parou em frente ao enorme portão, que abriu automaticamente. Enquanto fazíamos as voltas para subir ao andar superior, onde ele estacionaria, pedi:
- Se eu precisar ir embora, você poderia, por favor, me levar?
- Claro, senhora Bongiove.
- Então... Poderia não ir embora? Porque eu não me importaria em sair e esperar um carro de aplicativo durante a noite. Mas não com ela. E no caso, não tenho a quem recorrer.
- Estarei esperando, senhora Bongiove. Não se preocupe. Ficarei aqui até que me libere.
- Heitor o dispensou, por acaso?
- Sim, disse que depois que a buscasse, poderia ir embora.
Eu sorri, confusa:
- Quem sou eu para pedir que fique, não é mesmo? Pode ir, Anon. Eu dou um jeito depois.
- Vou ficar, senhora Bongiove.
Ele estacionou, na vaga ao lado do Maserati. Abriu a porta para mim, ajudando-me a descer com Maria Lua e depois abrindo o carrinho para eu poder colocá-la dentro.
- Eu amo quando você me chama de senhora Bongiove. Mas pode me chamar de Babi se quiser. Ou melhor, talvez a gente nem se veja mais depois de hoje. Ainda assim... Foi um prazer conhecê-lo. Heitor não poderia ter encontrado segurança melhor.
- Obrigada, senhora Bongiove. E estarei esperando sim, até que saia do apartamento.
O abracei e pedi, baixinho em seu ouvido:
- Me deseje boa sorte.
- Boa sorte, senhora Bongiove. Embora eu não ache que a senhora precise. O senhor Casanova jamais dispensaria a filha... Tampouco a mãe dela. – Sorriu de forma sincera.
Me dirigi ao elevador privativo. Hora da verdade!
Quando acionei o botão, a porta imediatamente se abriu. Eu esperava que ele estivesse em outro andar e demorasse a descer. Infelizmente parecia que tudo deveria acontecer mais rápido do que eu desejava. Entrei, levando o carrinho com uma Maria Lua parecendo uma boneca de vermelho, dormindo feito um anjo.
Acenei nervosamente para Anon, que retribuiu, antes que a porta se fechasse. Minha respiração ficou acelerada imediatamente, como se houvesse pouco ar ali dentro e eu precisasse inalar profundamente o ar para conseguir dar conta de expirar.
- Ok, Ben está na Itália. Sebastian e Milena sumiram. Daniel está me subornando. Anon torcendo por nós... E cá estamos, minha pequena. – peguei-a nos braços, enquanto ela retorceu o corpinho preguiçosamente, se aconchegando ao meu peito.
A porta do elevador se abriu e segui até a porta, com Maria Lua num braço enquanto a outra mão carregava o carrinho com a bolsa dela dentro.
Se eu pudesse voltar e fugir, juro que eu faria, tamanha ansiedade e medo que sentia naquele momento. Mas não podia seguir adiando aquele momento. Já fazia praticamente cinco meses que eu privava Heitor da presença da filha.
Toquei o botão da campainha e levou segundos para Nicolete abrir a porta. Ela ficou me encarando, confusa.
- Boa noite. – Cumprimentei, sentindo que meu coração estava querendo saltar para fora, ficando evidente a forma como ele se movia sob o tecido fino do vestido.
- Boa noite, Bárbara. Seja bem-vinda. Todos esperam por vocês. – Ela comprimiu os olhos, enrugando a testa.
Como assim “todos”?
Não deu tempo de perguntar. Ela pegou o carrinho da minha mão e entrou, deixando-me cara a cara com Heitor, vestido elegantemente de terno e gravata. Celine, sentada confortavelmente no sofá, ao lado da cadeira de rodas que acolhia um lindo Casavelha, usava um vestido vermelho longo, com o colo todo à mostra. A própria Nicolete estava ao meu lado, usando um vestido preto simples, mas que se notava o bom gosto e o tecido caro.
Um homem que eu não conhecia levantou-se. Era magro, cabelos escuros e bem cortados, usava barba e aparentava ter a idade de Heitor. Ele estava acompanhado de uma mulher loira, que não me era estranha, embora não reconheci de imediato.
Heitor pousou os olhos sobre mim, confuso, enquanto andava firmemente na minha direção.
Ele deu um beijo leve nos meus lábios e perguntou, num tom de voz baixo:
- Esta é a menina que você cuida?
Eu poderia dizer mil coisas naquele momento. Esperei por quase cinco meses para lhe dar a notícia de que ele era pai. No entanto, as palavras não saíam da minha boca. Era como se fossem engolidas pelo meu cérebro, que pensava em mil coisas ao mesmo tempo, sem focar em nenhuma delas.
- Sim... – Eu me ouvi dizendo.
Como dizer-lhe que aquela criança era sua filha, no meio de todas aquelas pessoas, inclusive as que eu não conhecia?
- Por que não disse que estava trabalhando, meu amor?
- Eu... – Tentei falar, aturdida, balançando a cabeça levemente, sentindo minhas bochechas pegando fogo.
Olhei Maria Lua dormindo no meu colo. A mãozinha pequenina, com dedinhos perfeitos, repousava sobre meu seio.
Heitor olhou para ela e senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, incapaz de esconder a emoção que sentia naquele momento.
- Bárbara... Está tudo bem? – ele perguntou, tocando meu ombro – Você está gelada... E trêmula. Nunca a vi assim antes.
- Quer que eu a segure para você? – Nicolete moveu os braços na minha direção, fazendo com que eu apertasse Maria Lua contra mim, dando um passo para trás, acuada, amedrontada, como se estivesse exposta, nua, uma leoa com a cria correndo perigo.
- Não... – falei com a voz firme, mas o tom de voz foi mais alto do que planejei.
Senti todos os olhares na minha direção.
- Bárbara! O que houve? – Heitor se aproximou novamente, ficando tão perto que eu sentia sua respiração.
- Por que todos estão aqui? – Perguntei, diminuindo drasticamente o tom de voz.
- Eu... Queria fazer uma surpresa, meu amor. Mas parece que você se assustou. E juro que achei que nada a assustava, Bárbara – ele retirou do bolso uma pequena caixa dourada e abriu, ajoelhando-se na minha frente – Quer ser minha esposa?
Fiquei olhando-o, sentindo meu autocontrole ir para o espaço, o pânico tomando conta de mim. A respiração ficou fraca e achei que poderia cair a qualquer momento.
Nicolete, parecendo perceber meu mal-estar, pegou Maria Lua dos meus braços imediatamente.
- Eu...
Senti tudo escurecer imediatamente e meu corpo virar gelatina, incapaz de manter-me em pé.