Não poderia usar nenhum de seus conjuntos íntimos e repletos de renda, isso era claro. Lucy ainda repudiava seu próprio corpo, e para vestir um de seus conjuntos, ela teria que olhar para o que mais a incomodava em si.
E ela não se sentia preparada para aquilo, não queria matar o vislumbre criado por si em sua própria mente de seu corpo contornado com as peças. Bastava ser obrigada a sentir aquilo ali diariamente e ter o sentimento de incapacidade preso em si. A garota sonhava no dia em que pudesse se livrar enfim daquilo, mas enquanto não fosse possível, apenas a parte superior de suas peças íntimas poderiam ser usadas.
— É a primeira vez que usará um para sair? — perguntou Jaesun, ainda mais animado.
— Sim. — assentiu tocando um fino sutiã.
A peça era simplesmente linda. Num tom narciso, tão ameno e imperceptível, carregava um bojo fino e sólido; era disposto de pequenas rendas na parte superior e suas alças eram delicadas.
Lucy olhava-o com ternura, o que encantava Jaesun. Olhou para o amigo e respirou fundo, indo até à janela para fechá-la e assim, retirou a camisa larga que usava.
Não sentia vergonha alguma de mostrar seu tronco para Jaesun, mas virou-se de costas quando passou as alças do sutiã por seus braços, e ouviu-o os passos do amigo, sem que fosse preciso falar algo entre eles, quando Jaesun tocou o tecido fino e ajudou-a a prendê-lo na parte detrás.
Lucy, ainda sem se virar para Jaesun, ou olhar-se no espelho, tocou os próprios seios, sentindo o tecido resguardá-los e lhe dando a melhor das sensações possíveis.
Como poderia algo tão simples deixá-la tão eufórica?
Mas enfim ela virou-se, vendo Jaesun se afastar para olhá-la e assim, olhou-se no espelho.
— Ficou perfeito. — Jaesun falou, piscando desacreditado.
Os olhos da garota quiseram transbordar, mas ela resistiu. Outra vez tocou o sutiã, mas desta vez seus olhos estavam sob a imagem refletida no espelho.
Era ela ali, como das poucas vezes em que se olhava e se encontrava.
Um sorriso nasceu em seus lábios. O contraste de seu rosto bonito e maquiado, com seus cabelos em cachos soltos e espalhados, junto à peça, a fez sentir-se mais próxima de si.
De quem é de verdade.
— Veste a saia. — pediu Jaesun entregando-a.
A garota buscou primeiro a meia calça que vestiria e colocou-a com cuidado. Em seguida, buscou a saia e passou-a por suas pernas, deslizando-a para cima e enfim, fechando os botões em sua cintura.
— Me dá a blusa. — pediu ao amigo.
Jaesun entregou-a e assistiu à amiga vesti-la, outra vez encantada com o falso volume que o sutiã lhe dava, mas sem exagero algum.
Ajeitou a blusa branca por dentro da saia, o que lhe aborreceu um pouco. Sempre que colocava um lado, o outro ficava torto, mas no fim e após minutos perdido ali, ela conseguiu ajustá-la com sucesso e fechou o colete amarelo por cima, para somente no fim pôr blazer com a mesma estampa da saia e ter sua fantasia completa.
— Vê se não é a Cher Horowitz mais linda do mundo! — falou Jaesun, desta vez com a câmera apontada para si.
— Mas eu não sou loira. — brincou Lucy, jogando seus cabelos para o lado.
— É um mero detalhe. — riu Jaesun enquanto a rodeava com a câmera enquanto gravava, criando para ambos uma memória.
— Lu? — ouviu alguém chamá-la do fim da escada e se assustou por reconhecer a voz.
Ryeon havia chegado e pior, havia chamado por seu nome ali, no mesmo teto que Jeon Sun-ha está.
— Aqui. — gritou Jaesun, indo para o lado e apontando a câmera para a porta.
Lucy apressou-se em arrumar a postura, sentindo seu coração voltar a bater, mas agora em pura ansiedade e nervosismo.
Ouviram outra vez os passos por a escada, mas antes de adentrar de uma só vez o quarto da garota, Ryeon pôs apenas a cabeça na porta, sorrindo tímido, mas completamente encantado com Lucy.
— Para de gravar, Jaesun. — pediu Lucy, sentindo-se ainda mais nervosa.
— De jeito nenhum, quero gravar o Ryeon com a fantasia dele.
Lucy não queria deixar Ryeon desconfortável, já que sabia como era sua fantasia, mas Ryeon apenas riu, deixando com que seus olhos tornassem pequenas listinhas por breves segundos, e abriu completamente a porta.
Jaesun ofegou surpreso quando o viu.
Ryeon pôs a mão sobre a cintura e vendo que o garoto ainda estava gravando, rodopiou enquanto ria alto.
— Minha nossa Ryeon. — disse a garota, rindo como os outros e vendo-o vestindo com uma saia assim como a sua.
Ryeon, diferente de Lucy, não exalava delicadeza alguma, o que deixava-o divertido para a noite.
Ele usava uma saia na cor branca, com listras pretas. Sua camisa era preta e carregava um colete vermelho por cima, estava também encaixada debaixo da saia, que circulava bem sua cintura e tinha seu blazer, que suportava as mesmas cores da saia.
— Dionne Davenport, é você?
— A própria. — disse Ryeon, dando outra vez uma voltinha. — Não vê?
— Essa é a primeira Dionne que vejo usar meias três quartos e tênis esportivo junto a uma saia rodada e colete. — disse Lucy, rindo enquanto negava.
— É estilo, já te disse. — respondeu-a. — aliás, você está linda.
— Estou?
As bochechas da garota logo esquentaram, evidenciando a súbita vergonha que lhe vinha ao receber os elogios de Ryeon, mas ele assentiu, aproximando-se e segurando de forma delicada sua mão, incentivando-a a girar devagar, e permitir que ele visse como ela estava completamente perfeita.
— Linda. — disse ele por fim, aproximando-se e roubando-a um selar ligeiro.
— Boiolas! — exclamou Jaesun, ainda gravando.
Os olhos de Lucy arregalaram-se e ela logo ofegou, vendo Ryeon se afastar com um sorriso tímido nos lábios, antes de olhar para Jaesun e ver que o garoto não parava de gravar por um só segundo.
— Desculpa. — disse Ryeon. — foi o impulso, misturado com a saudade junto a essa vontade louca que meu coração tem de você.
Jaesun enfim parou de gravar, analisando-os juntos e achando a coisinha mais linda que já havia visto.
Mas Lucy nada disse, suas bochechas eram vividas, e seu coração um tambor. Não conseguia manter os olhos em Ryeon, pois sabia que sentia a mesma vontade de avançar sobre ele e buscar seu beijo roubado de volta.
— Vocês já estão prontos? — perguntou o garoto, desviando o olhar da garota para Jaesun.
Ambos assentiram, mas Lucy foi até seu armário e retirou de lá seu perfume, passando-o delicadamente e inerte ao que aquele cheiro causava ao redor.
Ryeon sentia-se um completo bobo.
Seu coração também batia forte, mas era por estar ali, com ela. Queria mesmo poder roubar-lhe mais beijos, mas sabia que aquele ato impensado naquele lugar já havia sido extremo, então apenas observou-a terminar, e quando seus olhares retornaram, sorriram.
Seguindo para fora do quarto, Lucy buscou sua carteira e arrumou numa pequena mochila gash que havia ganhado de seu pai, junto a seu celular e dinheiro caso precisasse.
— Já estão indo? — perguntou Jungso quando chegaram à porta de entrada.
Lucy virou-se para seu pai e sorriu assentindo.
— Está com dinheiro? — perguntou outra vez e viu a filha assentir. — e bateria? Seu celular está com bateria, não é? Eu não quero que fique perdida por aí.
— Ela estará comigo, tio, então está tudo sussa.
— Sussa? — o homem indagou olhando-o. — o que é isso?
— Quer dizer que está tudo bem — falou Jaesun. — é que o Ryeon tem o vocabulário de um vendedor de drogas, não liga não.
— Ei! — protestou o garoto.
— É brincadeira. — falou Jaesun olhando-o. — não quero ofender quem vende drogas...
Desta vez Jungso riu, vendo como o rosto de incredulidade de Ryeon parecia divertido.
— Nesta casa há regras. — falou Sun-ha, dando um leve susto em todos ali. — chegue cedo ou dormirá na rua. — falou para Lucy.
A garota levemente envergonhou-se porque a mãe está falando consigo daquele jeito e na frente de seus amigos.
— Entendeu? — repetiu alto, olhando para ela.
— Está com a chave? — perguntou Jungso, não ligando para o dito da filha. Lucy assentiu, mas seus olhos eram baixos e fitavam a mãe de relance. — Então vá, se divirta.
A garota agradeceu, e Jaesun abriu a porta. Ryeon tocou sutilmente o centro de suas costas, dando-lhe passagem, e sorriu para o homem, despedindo-se.
E quando a porta se fechou, Jungso respirou fundo.
— Isso foi jeito de tratar sua filha?
— Meu filho. — respondeu Sun-ha, irritada. — Não venha você falar dessa pouca-vergonha.
— Sun-ha, ela é uma criança. A mesma que você deu à luz.
— Não jun, não é. — olhou-o. — eu dei a vida a um menino, a Woojin. Aquilo. — apontou para a porta. — Não é e nunca foi meu filho.
— Não mesmo. — respondeu ele, aproximando-se dela para fazê-la entender. — por que nunca foi ele. Se você tivesse ido conosco à consulta, você entenderia. A doutora Clo explicou como...
— A doutora Clo é uma pervertida. Está influenciando você e te induzindo a achar que isso é normal.
— Isso é normal.
— Isso é sujo. — falou ela, sentando-se no sofá enquanto lamentava. — não foi isso que Deus criou.
— Como pode dizer isso? — perguntou incrédulo, sentando-se à frente da esposa. — isso magoa. Não só a ela, como a mim também.
— Jungso, entenda, há homem e mulher. Cada um nasce do jeito em como deve ser, não do jeito em como Woojin acha que pode ditar. Isso é o que satanás quer que você acredite, mas ele está usando o nosso filho para destruir nossa família.
— Você está destruindo nossa família.
Sun-ha olhou o marido e não acreditou no que ouvia. Parecia mesmo que ele estava chateado consigo.
— Sexualidade é algo próprio. — ele disse num tom explicativo. — Mas isso vai além. O gênero é uma construção social, mas não cabe a nós, segui-lo. Nossa filha é livre, Sun-ha, ela diz quem é ou não.
— Do que está falando?
— Estou falando do que eu aprendi em apenas alguns minutos ouvindo a mulher cujo está ajudando a nossa filha. — falou e respirou fundo, continuando. — O gênero é uma construção social, Sun-ha. A sociedade construiu uma visão do que é a mulher. E nessa construção, para muitos, a mulher ainda é aquela que tem vulva, útero e vagina... A que nasce como tal, entende? Mas sem essa construção, sem esse conceito, existem mulheres com vários e vários tipos de corpos. E uma dessas mulheres, é a nossa filha.
— Não...
— Ela é mulher. — falou aproximando-se mais e sentou ao lado da esposa, segurando sua mão e fazendo-a olhá-lo. — ela é uma mulher. Mas o modo em como está tratando-a, a machuca, não percebe? E não só machuca a nossa filha com todo esse desprezo materno, mas machuca a mim também, o seu marido, o mesmo que a mais de vinte anos atrás se apaixonou por você, mas que agora não te reconhece.
— Está me culpando então? Eu não sou obrigada a aceitar isso, Jungso.
— Não, não é. Mas você é obrigada a respeitar, e você não está respeitando a Lucy.
— Lucy... — sorriu amarga e respirou fundo. — não me force a participar dessa imoralidade.
— Não estou te forçando. — falou por fim, abandonando devagar a mão da esposa e se pondo de pé. — Estou apenas falando, tentando...
— Tentar não adiantará em nada, então não perca mais o seu tempo comigo.
O homem olhou a mulher ali e assentiu para si mesmo, saindo a passos vagarosos.
— Talvez eu não perca.